domingo, 18 de novembro de 2012

Na esperança do reflexo

Continuas a admirar a paisagem para além da janela. Na esperança de que o reflexo ali ainda se mantenha. Que a ultima lagrima dali não tenha fugido. Que o ultimo toque da sua mão ainda aqueça o vidro enquanto te dactilógrafa as palavras que teus ouvidos se recusavam a serem surdos. Fingias não ouvir. Como finges ainda o ver ali. Firme perdido entre o vidro baço e a neblina matinal. Enquanto os seus olhos se perdem por entre os galhos das árvores a dançar e o teu próprio reflexo espelhado no vidro. Crês que a sua postura ali se mantem. O seu corpo não se moveu nem um centímetro daquela janela. 

Recordas a noite anterior.

Ele te foi buscar sob a chuva intensa fazendo com que o trajecto se transformasse numa passadeira de rosas vermelhas para que tu, flor do seu jardim, pudesses espelhar a tua própria beleza, a tua própria suavidade de mulher, o teu próprio odor de perfume e o teu próprio calor do sol que aquecia a sua alma. Ele todo aperaltado, bem vestido, digno de um gentleman, cavalheiro e cavaleiro em que busca a sua donzela e a leva a passear pelo mais belo jardim do universo. 

Um jantar à luz das velas, uma melodia toca da grafonola dando um requinte especial ao momento. Olhares que falam mais que as palavras e palavras que vêem mais que os olhos. Os ouvidos tornam-se tão surdos pela sensação perdida na turbilhão de que os sentimentos fazem rodopiar por todo o canto daquele minúsculo universo. Aquele teu, dele, vosso universo. Era o vosso mundo. Ali.
Deixaras que entre um copo e outro nada afectasse aquele momento. Querias que fosse único e delicadamente belo. Tu sabias. Que não se voltaria a repetir. E que aquele seria o momento indicado para o efeito. Para a entrega carnal de dois corpos despidos dos preconceitos da idade e despidos das fantasias mentais,  vestidas finalmente em fantasias reais. Mas sabias que o passado dele não era igual ao teu. Ele confessara-te o seu passado. Que se isolara do mundo. Que no canto da sala onde o encontraras de olhos postos na faúlha de lume que ardia na salamandra e entre as viagens pelos corpos dançantes que ele ainda via pelas paredes daquela sala lustrosa. O kamasutra tântrico das paixões utópicas sempre lhe encheram a vista de regalar noite de prazeres. Mas fora em tempos, e que tempos doirados. Desse tempo, apenas resta o candelabro de oiro que naquela mesma noite ostentava a luz que lhe aquece o olhar e que do seu ilusório imaginário vê as sensuais danças de corpos em posições angelicais da orgia sorridente.

De seu nada restava. Nem o olhar que petrificava as paixões, nem o sorriso que amarrava os lábios de quem num segundo se prendia e noutro segundo se soltava, nem a palavra suave e dócil que com a delicadeza se interessava por gemer numa conversa muito ou pouco intelectual. Nada dele resistira. O pelo na face ganhara raiz tomando lugar a pele macia que cuidara com o after shave que o seu avô lhe ensinara a fazer, bem na verdade não era nada mais, nada menos do que sabão rosa com um pouco de pó talco. Tornara-lhe a pele suave que nem bebe. Talvez por isso é que a concorrência de fêmeas sobre si era feroz. Recriara ilusões a cada dança que a luz esvoaçava sobre o pavio cravada na cera dando formas anímicas.

Mas naquela noite lhe enfeitiçaras de novo o sol na magia do seu olhar. Lhe davas um novo suspiro e um novo sopro de vida. Ele ganhara um novo respiro sob os seus pulmões enchendo-os de ar puro.
E o momento que vos entrega hoje seria a prova dessa nova alma que lhe trouxeras ao seu esqueleto.
5 Anos. 60 Meses. O tempo de passagem entre o beijo a entrega carnal afinal chegara. Seria nessa mesma noite que deixariam o pudico e a nudez  tomarem conta das vossas peles. Fantasiariam sensações e desejos, beijos e paixões, posições e gemidos… queriam tanto essa noite como se não houvesse outra próxima. Queria ser carne una, apenas um só corpo, uma só pele, ser espírito e alma num só corpo onde a função resulta da paixão sentimental e imaginária.

Lençóis revirados, roupa espalhada e corpos transformados em plasticina de tão maleáveis que se moviam. Suores, calores, humidades, gritos, gemidos, tesão, prazer, orgasmos mútuos, em que dois corpos se juntavam a mais dois corpos sombra realizando orgias entre a ilusão da luz vaga e as peles aquecidas pelo luz do desejo brilhante.

Um suspiro. Terminado num abraço longo acompanhado de um beijo alcançado pelo olhar perdido no olhar. Um olha que dava a certeza de que tinham viajado pelo plante, pela via láctea pelo todo o cosmos. Que tinham explodido e criado um novo planeta e que nesse mesmo planeta, teriam semeado a flor da paixão, deixado a sua marca de presença. Soltos, livres, agricultores do cultivo da terra corporal se despedem um do outro finando os olhos num sono tranquilo de uma respiração normal e sorridentes embalando o sono num sonho de pérolas.

Mas continuas na esperança de o ver ali. Abraçado ao reflexo tingido na janela. Ouvir os seus suspiros de lamentação por não te ter amado mais. Não te ter feito amar mais e não te ter acariciado mais. Sentes que o seu desejo se arrepende de não se ter entregue loucamente a ti mais cedo. Mas sabes que ele sempre te amou. E a certeza de tal sentimento que perdura naquela lágrima de saudade que não se afasta daquele vidro. Que o tempo de saudade colou essa mesma lágrima como sinal de marca do amor. 

Naquela noite, naquela mesma noite em que se fundiram ele viu teus olhos perderam-se. Nos olhos dele. E que jamais se encontrariam de novo. Apenas no infinito do céu. E tu, ali sentada, inerte teu espírito se digna a observar os últimos recantos do espaço protegido pelo lágrima que ele derramou pela perda dos teus olhos terrestres, pelo sangue que ele derramou quando jurou se juntar a ti, no vosso mundo, no vosso planeta, lá nos cosmos do infinito azul celeste, onde a semente semeada, finalmente poderia ser regada, por ambos e alimentada em orgasmos angelicais. E o observas, perdida na lágrima derramada por ele sobre a janela.

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