terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tempo de Crescer e de Aprender - um olhar para o passado e recordar o que fui e olhar para o presente e ver o que sou

Hoje foi tempo de recordar o passado... Tempo de olhar para trás e fazer uma pequena sinopse e recordar algo. Não remontarei a muitos anos atrás, porque em vez de sair daqui uma historia, sairia um testamento, e eu não estou com ideias a pôr os meus leitores de olhos em bico de tanto ler :) para isso já basta ler a conta da luz ao fim do mês.


Remonto há cerca de doze anos atrás. Era eu um adolescente (sim adolescente) dos meus 16 anos e com um grande futuro pela minha frente, um grande estudante (os professores não diziam o mesmo) e sempre com a resposta na ponta da língua, pena é que a resposta a maior parte das vezes fosse errada, mas sempre fora um jovem traquina mas de bom trato com as minhas gentes. Na escola eu era mais conhecido que o Papa.  A meio do ano escolar tomei uma decisão que, para espanto de muita gente, fui julgado de louco. E talvez até teriam razões para tal julgamento. Decidira fazer uma experiência vocacional. Ou seja entrar num seminário e fazer uma experiência vocacional diferente.


Inicialmente muitos duvidaram que eu realmente faria esse caminho, aliás o garanhão da escola ir para o seminário, o rapaz só pode estar maluco. "Oh moço, ganha juízo que já tens idade para tal..." recordo o André Rebelo dizer. Esta minha ideia cabe-me uma nova alcunha, já não bastava ser conhecido por Kit, teria ficado agora apelidado por Papa kit I. Digam lá se não tenho amigos simpáticos.


Mas havia algo a dizer-me que deveria fazer esta experiência. Já era acólito há alguns anos e sempre fora de certa forma influenciado por dois seres de enorme importância na minha vida. A minha avó Micas ( que durante alguns anos sempre a acompanhei na sua cegueira para onde ela iria, desde a mercearia, missa, à vizinha) e o meu avô Palheira. Foram dois seres dedicados à Igreja, não só instituição, mas na sua crença, no amor ao outro. Talvez essas vivências dos meus avós e a minha caminhada enquanto acólito tenham sido o fermento crescente na minha decisão. Maluca e louca? talvez tenha sido, mas a verdade é que estava tomada. Faltava descobrir onde fazer essa experiência. Sabia que volta e meia iam uns padres lá à escola fazer uma pequena palestra e em busca de algumas "ovelhas" e junto do professor de EMRC procurei informações e localizações. A titulo de curiosidade, nunca fora convocado pelos padres para fazer essa experiência, mas acabara por ser eu a procurá-los. Com a ajuda do professor Paulo Moreira, acabei por entrar em contacto com a Congregação dos Dehonianos, no Seminário Missionário Padre Dehon em Rio Tinto. Mas como eu na altura não conhecia aquela coisa chamada telefone (apenas conhecia por phophone cantante inventado pelo Ricardo Vilela mais conhecido por Queirós), Meti os pés a caminho e sem contacto prévio dirigi-me ao Seminário afim de falar com algum sacerdote acerca da minha vontade e desejo. Cheguei, a D. Lúcia abriu-me as portas de entrada e apresentou-me a um irmão, pois de momento nenhum padre se encontrava no Seminário. o Irmão Camacho, com um sorriso e afavelmente me recebeu e ao fim de meia hora de conversa aconselhou-me a ligar (e aí fiquei a conhecer o dito telefone) ao fim da tarde e falar com o padre Feliciano. Assim o fiz. E após 5 minutos de conversa ao telefone, o senhor padre pediu-me para que eu no sábado seguinte fizesse uma trouxa com roupa para ir passar lá o fim de semana, num convívio de pré-seminaristas.


Ora, como não sabia ainda muito bem ao que ia, e depois de falar com a minha mãe, e de ela me dizer "filho, vai, vai que estás mesmo a precisar de ganhar juízo..:". Até há data ainda não percebi o significado dessa frase, mas lá fui eu. Sábado, dez da manha, comboio em direcção a Rio Tinto e depois pés ao Caminho até ao Alto de Soutelo. Lá chegado, fui recebido uma vez mais pela minha querida D.Lúcia, e encaminhado para o gabinete do Padre Feliciano. Este, com um forte abraço, me convidou a conhecer a casa e a desfazer a trouxa na camarata em que eu pernoitaria nessa noite e que vestisse uma roupa mais confortável, pois ia haver algumas actividades interessantes. E eu a pensar com os meus botões "bem para rezar não é preciso usar os calções..." mas qual rezar qual que, era já futebol e vamos embora :) Vida de pré seminarista era dura. Ao fim da manha, reuni-me com o padre Feliciano, pois eu queria conhecer melhor os ideias da Congregação, a casa, a vida de seminarista, os meus deveres e direitos e ele, como seria de esperar, queria conhecer-me, a mim, os meus objectivos e motivações. Depois do almoço o tão desejado torneio de futebol, do qual eu dava cartas na altura. Talvez a excelente recepção que tive, por ser um pouco mais velho que os restantes pré-seminaristas, o há vontade que me deixaram, os ideais Dehonianos e a boa disposição reforçaram a minha ideia de continuar. Durante ano e meio fiz o pré seminário. Uma vez por mês dirigia-me ao seminário, para conhecimento e crescimento. Recordo, que todos os meses ficava ansioso da recepção do Jornal Em Frente para saber a data do próximo encontro e claro, para fazer o trabalho de casa. Ao fim de ano e meio tornou-se necessário tomar uma decisão. Padre Feliciano que era o meu mentor e apoio e na altura de decidir, respondi afirmativamente que sim. Sim! Quero seguir este caminho. Em Agosto de 2001, a convite do Padre Feliciano fui passar uma semana ao Instituo Missionário Sagrado Coração em Coimbra de forma a me ambientar ao meu futuro lar. Nessa Semana, encontrava-se lá o João Carlos, o Zé, o Roberto e o Adelino, boa malta e com idades muito próximas da minha. De Sacerdotes, estava o padre Constantino e o Padre Armando bem como o Irmão Caetano. Bem, uma semana de loucos, entre futebol a quatro, alugueres de filmes (decentes se bem que o que vimos, deixa algumas duvidas entre a sua decência....kevin & Perry, mas o João escolheu e eu era apenas o caloiro).


Setembro de 2001. Ingresso definitivo no Seminário. Bem, o passo estava definitivamente dado e não haveria volta atrás a dar. Como eu era o único que estava de certa forma, fora do contexto, pois enquanto todos os meus futuros/novos colegas já tinham pelo menos dois anos de seminário eu era o único que seria minha primeira experiência, fora o pré-seminário. Recordo-me de entrar e alguém me dizer "olha mais um..." e foi com esse alegre receptividade que ganhei animo :) Dirigi-me ao  gabinete do Padre Armando, onde estivemos, eu, ele e a minha mãe durante algum tempo a conversar e acabamos por descobrir que ele e um tio meu tinham estado juntos a estudar num antigo seminário. O mundo é mesmo pequeno. Depois, as despedidas dos meus familiares e agora sim, estava entregue em minhas próprias mãos. Primeiro dia, apresentação de todos os seminaristas em volta de um clima alegre e animado que serviria de mote para um ano de intensidade. E acho que foi neste primeiro momento que realmente vi o que seria a minha passagem pelo seminário, os momentos que passaria e que teria. Afinal a ideia que me passavam de Seminário ser um espaço de unicamente de oração e silencio, essa ideia se afastara imediatamente.


Recordo que por causa de nunca ter tido cadeira de francês teria que ir estudar para uma escola fora do seminário, e fui para a escola D. Dinis. Bem, e lá estive eu durante uma semana , mas que foi de tal maneira intensa que ainda hoje guardo com amizade alguns bons amigos.


E ao fim de uma semana la estava eu a ter aulas em definitivo no Seminário porque o caríssimo Padre Costa decidira dar-me aulas de sono....ups, quero eu dizer de francês. E ele até era bom professor, quando se lembrava de dar aulas :).


Muitas novidades me aguardavam. Aulas de um jeito diferente, a relação entre os professores e os alunos, a amizade e proximidade entre os padres, o irmão Caetano, os funcionários e os seminaristas era enorme, e o que me espantou ainda mais foi o carinho das pessoas de Coimbra que todos os Domingos, religiosamente iam à Capela do Seminário à missa, nos cumprimentavam com um forte aperto de mão.


Bem, mas o momento mais alto foi quando o Pe. Costa me quis experimentar no coro. Bem, ele pedia-me um Ré e eu dava-lhe um Mi. Pedia-me um Sol e eu dava-lhe um Si, ate que ele já nem quis mais nota nenhuma porque ja tinha Dó demais e dispensou-me dessa função... E eu, agradeci.


Não posso dizer que o meu inicio tenha sido fácil. Não o foi. O facto de eu sair de um sistema de vida completamente diferente, ter rotinas completamente diferentes fez com que me dificultasse imenso o ingresso a 100%, mas aos pouquinhos lá me fui ambientando.




Toda aquele ambiente era diferente. Aulas, hora de estudo, hora de lazer, os afazeres de manutenção, as orações, a carisma, era tudo tão diferente do que eu imaginara e do que eu estaria habituado.


Guardo na minha memoria, os torneios de futebol (eu que não ganhei nenhum mas que sempre dera muito, nem que não fosse mais nas canelas), os momentos festivos e de encontros, os momentos de reflexão em grupo, mas acima de tudo os momentos de oração em que eu aproveitava para reflectir no meu dia a dia e no meu futuro.




Os encontros de turma por trimestre foram de longe momentos de união, de fortalecimento de relações e de interiorização.


Orgulho-me de ter estado numa Casa num ano em que fez os seus 50 anos de existência e de ter podido estar no Altar nessa celebração.


Recordo que também foi aqui que de certa forma a minha vida mudou completamente por um súbito problema de saúde que surgiu e que com muito apoio, muita força de todos de certa forma consegui lidar imensamente bem com a situação. O meu problema  ocular estava a trazer-me adversidades mas que eu deveria ultrapassar isso, com força querer e vontade.


Continuei com a mesma força e entrega de espírito aberto e mesmo que eu parecesse de alguma forma afastado e alheado do mundo em que eu estava, continuava lá presente.Por vezes só em corpo, por vezes só em mente, mas na maioria das vezes com todo o meu ser.


Recordo o Irmão Caetano perguntar quem andava a comer os tomates ingleses e ninguém se denunciar. Recordo durante a ceia irmos à despensa buscar comida e algumas vezes ao refeitório dos padres comer docinhos. Recordo os festivais, os cantares das janeiras, recordo os jogos de ping pong, bilhar e sueca (fizeste renuncia...não fiz nada...), recordo os encontros na estação de campanha no regresso ao seminário e recordo as piadas do padre Costa nas festas e encontros e recordo a velha máxima dele quando estava chateado com alguma coisa... "Porca Miséria". Recordo quando o Manuel Joaquim e o Rui Costa se armaram em detectives e andaram atrás de mim pelas ruas de Coimbra sabe-se lá a tentar descobrir o que, recordo o cortejo académico, recordo o trajector a reconstituição da vida dehoniana ao longos dos anos em Coimbra e recordo cada um com um enorme orgulho de ter pertencido a um grupo fenomenal.


Ao fim de um ano, decidi colocar um ponto final na minha passagem pelo Seminário. A meio de um joguito de futebol, dirigi-me ao Pe. Costa afim de falar com ele. "Padre Costa, depois de muito pensar e reflectir, tomei uma decisão. Não continuarei no próximo ano. O meu trajecto como Seminarista termina aqui. Julgo que a minha experiência vocacional já valeu a pena..."..."A tua dificuldade em ambientares-te a este caminho trouxe-te muitas dificuldades. O teu problema de saúde também não ajudou muito, mas de certeza que cresceste como homem e como pessoa. vai e faz o teu caminho..."


Nunca me arrependi do caminho que fiz, da experiência que tomei e acima de tudo, da coragem em dizer que queria uma experiência vocacional diferente. Todos os meus amigos sabiam o que queriam fazer quando acabassem o 9º ano. Eu também, mas queria uma experiência nova, um caminho, uma luz nova.


Recordo cada um: André Olim, André Vieira, André Pereira, Júlio, Juan, Diogo, Emanuel, Rui Costa, Jorge, Domingos, Alexandre, Joel, Manuel Joaquim, José Carlos, Bruno, Serafim, Paulo, Rodrigo.


Faz por esta altura dez anos que vive uma das melhores, senão mesmo a melhor experiência de vida até hoje. Uma experiência que me fez crescer enquanto Cristão, enquanto ser e enquanto Pessoa. Uma experiência que me fez aprender, que vês ver, que me vez acreditar, que me fez amar. Uma experiência que me fez guardar amigos para sempre.


Depois de sair do seminário mantive-me ligado à Congregação por mais alguns anos através da juventude Dehoniana, que infelizmente tive que abandonar por motivos profissionais e pela falta de tempo disponível.


Hoje ainda me sinto como Jovem Dehoniano. Tento manter firme os seus ideais, o seu amor e o seu carisma.


A todos, com saudade, um bem haja












2 comentários:

  1. Obrigado pela tua partilha, Vítor! :)
    Um abraço amigo.

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  2. apenas foi uma recordaçao de memórias vividas e acima de tudo de um lugar que me fez crescer e me fez ser homem

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