Atenção actores, este é o último ensaio, o ensaio geral. Temos que dar o máximo, porque o público está ali fora há espera deste mesmo ensaio. Será de 120minutos de pura adrenalina, de sala escura e de muito choro e risos.
Padre, estás pronto? Menina Mimi faça os totós direitinhos. Cruzes, quem é que escondeu os adereços do coveiro? A faca do talhante que eu pedi?
Está tudo a postos? Tudo aos seus lugares!
Senhores e senhoras, bem-vindos ao espectáculo da companhia de teatro amador e profissional de S. Vitor. Espero que estejam todos confortavelmente confortáveis e predispostos a um belo serão. A todos bom espectáculo.
Break a leag actores.
- Uau correu tão bem. O público ainda bate palmas e de pé e são flores para nós.
- A satisfação pessoal e grupal de se fazer teatro conquistasse a cada riso, gargalhada e lágrima que este público brotou sobre nós. Não é fácil levar sentimento sobre eles. Não é fácil conseguir fazer acreditar que o estamos a representar é verdadeiramente sentido. Mas é fácil amarmos o que fazemos. E é esse acreditar no que fazemos e sentimos que dá gozo e prazer de subir ao palco tal como hoje fizemos. Aqueles que ali batem palmas e que choraram durante a encenação são o resultado da vossa entrega durante meses a ensaiar de forma livre e gratuita. E isso não há dinheiro que compense.
O teatro produziu sobre nós um espirito grupal imenso. Um espirito de amizade, de entrega, de sacrifício e acima de tudo de conhecimento de nós e do outro. Faz-nos crescer interiormente, conhecer o nosso limite enquanto actores e pessoas.
Faz-nos ver o seu simbolismo mais puro. Perceber até que ponto conseguimos gerir o sentimento do choro e do riso, a nossa capacidade de fazer alguém sorrir intuitivamente ou propositado. Mas acima de tudo a criar elos, relações, respeito, confiança, gestão e acima de tudo a viver.
Sentem-se. Pode ser mesmo no palco. Falemos um pouco sobre a história do teatro.
Reza a história cultural, que o teatro sempre existiu. Desde o tempo do homem primitivo em que este usava o teatro (de certo que não seria com esta palavra), de uma forma mais próxima das danças dramáticas grupais para expor situações do dia-a-dia ou então uma espécie de agradecimento ou veneração.
- Mas então o teatro não tem origem grega?
- Antes do conceito teatro grego surgir, ainda existe a tradição egípcia, em que os pequenos ritos e mitos do teatro primitivo tomaram proporções diferentes. “Cada mito conta como uma realidade veio a existir. Os mitos possuíam regras de acordo com o que propunha o estado e a religião, eram apenas a história do mito em acção, ou seja, em movimento. Estes rituais propagavam as tradições e serviam para o divertimento e a honra dos nobres” (in, wikipédia). A tradição teatral grega surge depois. Tal como a história reza nos dias de hoje.
- Estou a imaginar o homo sapiens a fazer a dança de jeito teatral.
- Sim, eu também, mas os nossos antepassados deixaram-nos uma cultural teatral riquíssima. Voltando à tradição grega, “surge o teatro. Surge o “ditirambo”, um tipo de procissão informal que servia para homenagear o Deus Dioniso (Deus do Vinho). Mais tarde o “ditirambo” evoluiu, tinha um coro formado por coreutas e pelo corifeu, eles cantavam, dançavam, contavam histórias e mitos relacionados a Deus. A grande inovação deu-se quando se criou o diálogo entre coreutas e o corifeu. Cria-se assim a acção na história e surgem os primeiros textos teatrais. No início fazia-se teatro nas ruas, depois tornou-se necessário um lugar. E assim surgiram os primeiros teatros” (in, wikipédia). E aí sim, se deu o grande boom do teatro. Do Panteão Grego, para Roma e para o resto do mundo de uma forma ou de outra. As formas de representar foram-se alterando, transformando. Surgiram importantes nomes de dramaturgos na Grécia como Aristófanes e Ésquilo e por outros países não só da velha Europa. Brasil, Portugal, Rússia, Egipto são nomes fortes de dramaturgos.
- Fazer teatro pode ser mais fácil do que outra arte?
- Nem por isso. Cada arte tem o seu grau de dificuldade. O músico por exemplo tem que saber as notas e a pauta musical e manusear o instrumento. O Pintor, conhecer as cores, as telas, manejar o pincel, ter olho de lince. Toda a arte em si implica dedicação, empenho e engenho e acima de tudo, amor por ela mesmo.
- E como chega o teatro a Portugal
- “Após a morte de D. João V (em 1750), D. José inicia uma profunda reestruturação da política cultural. Para tal conta com o apoio de Sebastião de Carvalho e Mello entre outros. Os esforços comuns proporcionam a contratação dos melhores castrados, compositores e instrumentistas. Simultaneamente é contratada uma equipa encabeçada pelo arquitecto e cenógrafo bolonhês Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena, que concebe entre 1752 e 1755 três teatros de corte em Portugal” (in, wikipédia)
- Desculpe, mas há uma questão que eu tenho e que gostava que me esclarecesse. Qual é a diferença entre o teatro amador e o teatro profissional.
- Pergunta inteligente. A grande diferença está no preço. Tu recebes aplausos ou vaias como forma de agradecimento. És da companhia amadora. O outro recebe isso e tem um salário, faz do teatro vida. Por outro lado tu fazes do teatro vida. Não quer dizer que ambos não tenham empenho idêntico, aliás nem se pode fazer comparações entre um e outro. Porque quem faz teatro falo com amor e inteira dedicação.
- Que formas de teatro existem para além do drama e da comédia?
- Bem vista essa pergunta. Levanta-te e sem falares tenta dizer-nos qualquer coisa. A menina Mimi tem que responder. Estão a ver, a mimica é uma forma teatral, assim como os palhaços. Pode-se dizer que no geral é tudo teatro. Mas a comédia, tragédia, tragi-comédia, sátiras, autos, farsas, teatro infantil, revista, musical, ópera, surrealismo, stand up comedy, teatro lambe-lambe, mimica, artes circenses/palhaços são as formas mais conceituados ligadas ao teatro.
- Mas uma peça não se vale apenas pelo que é representado.
- Não. Uma apresentação teatral deve-se muito também ao cenário aos figurinos à beleza da montagem do palco e luz. O encenador belga Adolph Appia referia que se devia mobilizar o actor para ponto de atenção, aconselhando o uso de luzes. Por outro lado, havia quem defendesse o não uso de qualquer género que pudesse retirar a atenção do actor.
- Diga-me encenador, para além de muito trabalho, amor e dedicação, convém ter uma espécie de formação académica para se ser actor!
- A formação é importante a todos os níveis. Teórico e prático. Mas, por exemplo, os grandes nomes do teatro nacional, iniciaram o seu trajecto na arte sem qualquer formação, alguns deles só porque acompanhavam o pai ou o avô ou porque o sangue já lhes corria nas veias. Os mais novos aprendiam com os mais velhos. E mais tarde faziam uma formação. Hoje em dia já há cursos de licenciatura e técnicos profissionais de teatro. Por exemplo, no Porto tens a Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Academia Contemporânea do Espectáculo e o Balleteatro e em Lisboa tens o Chapitô.
- Quais são as peças de maior importância ao nível do teatro?
- Tens imensas. Destacam-se sobretudo o Shakespeare, Aristóteles, Almeida Garrett ou Raul Brandão e não esquecer claro, o fundador do teatro em Portugal, Gil Vicente.
Bem pessoal, chega de conversa fiada e vamos voltar ao trabalho. Amanhã temos espectáculo às 19h. Quero tudo pronto para o grande ensaio geral.
A peça Arrebita coração tem que ser um sucesso. Estudem bem o teste, afinem as cordas, comam muita cebola e descansem.
Desce o pano e fim de espectáculo
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