quinta-feira, 4 de abril de 2013

Cartas de amor, nem todas as cartas de amor devem falar de amor

Olá meu amor

Escrevo-te esta carta para te fazer uma constatação.
Nem todas as cartas de amor, tem literalmente ou obrigatoriamente que falar sobre esse tal sentimento de que toda a gente enamorada o fala. Esse tão perpetuo e delicado sentimento que em nossos coração faz brotar lágrimas dos olhos e sorrisos dos lábios. 

Instituiu-se que todas as cartas de amor o assim o devem ser, falar de amor, do nosso amor, da nossa entrega emocional, sentimental, psicológica e até mesmo erótica, tem de falar dos carinhos, dos nossos olhos e como eles nos vêem, das nossas acções de um para com o outro e do que as nossas famílias nos representam, ou nós os representamos. Mas eu não sou a minha família, tenho nome e o poder que eles me deram, isso é certo e por mais que eu diga que rejeite esses títulos e essas palavras bancárias, a verdade é que terei sempre a minha família, mas eu não sou a minha família, eu sou eu como tu és tu, ou por outros modos mais singelos pelos nossos prazeres, nós somos um no outro. 

Mas a verdade é que nem todas as cartas de amor devem falar de amor. Devem falar do ódio, dos pavores, dos medos, das cegueiras dos nossos olhos, das nossas aventuras e desventuras, porque no amor, nem tudo são mares de rosas e perfeições. Há espinhos e ratoeiras para nós, ratos, na busca incessante do nosso queijo, termos a delicadeza e o engenho de saber se nos haveremos de nos aventurar em entrar em tais fortaleças do desejo que lucifer nos intenta ou se nos deveremos tornar diatéticos e nos aventurarmos numa travessia pelo deserto ou pelos velhos mares que Camões ou Colombo atravessaram e em dois mundos, nos unificarmos num só. 

E depois há a questão de que mesmo que mudemos o tópico das nossas cartas, a verdade é que o tema do clímax da carta escapa sempre para o amor, para o nosso amor, para o amor dos outros para connosco. Não me queixo de tal afortunada sorte a minha, meu aamor, porque me adoro ser e sentir amado como te adoro amar, tu sendo a minha delicada esposo que nesses outros ventos te sentas na nossa velha cadeira, ouvindo a nossa velha grafonola e a recordares de mim sobre o teu olhar acastanhado, cor de outono, olhando sobre o meu retracto, saudosistas em ti, as tuas saudades se perpetuam desde a primavera. Curioso como o tempo passa. Parti no nascer das folhas e do regresso das andorinhas e me presto a regressar no cair das folhas secas do castanho de outono e com a partida das andorinhas m busca de calores e de amores. Ou será que serão estas, aves de estranhos portes sentimentais que transportam ou transbordam os amores por onde elas passam. Bem, na verdade e na verdade o deva dizer, que o nino que elas construíram sobre o nosso tecto nos abriga dos velhos falcoes que terminantemente insistiam em dar bicadas sobre o nosso tecto atentando quase como estranheza, o nosso amor, e nas nossas dúvidas sobre as nossas certezas.

Mas como eu estava a escrever, meu doce e terno amor, nem todas as cartas o devem falar de amor. Viajo eu, neste momento há 48horas de comboio, este ferro velho, esta limusine geringonça, funciona a carvão, e entre o imenso berreiro que a locomotiva ecoa sobre os nossos ouvidos como zumbidos de um enxame de abelhoes e entre a demora na longa viagem, tenho tempo para pensar em muita coisa e poder admirar a paisagem que perfaço desde o ponto de partida, o local que já me deixa saudades, e o ponto de chegada do qual ressuscito as minhas vontades e saudades, as minhas fénix reatam a velha chama de ti, que escuso eu dizer, que apesar de brando lume nunca se apagaram, sempre ardem em lume brando culpa da distancia e do tempo que nos distanciou fisicamente um do outro. Mas aqui este eu, neste vagão puxado por uma locomotiva a carvão sobre esta linha de ferros a admirar o estridente ruido da locomotiva e a paisagem entre árvores, o mar e as cidades. Entre elas, surge, espelhado no vidro que me separa do dentro e do fora, me fica a tua imagem, como se a meu lado, estivesses a viajar, me acompanhando eloquentemente. 

E vejo, arvores, as gaivotas, as andorinhas que regressam a outros aposentos mais reais e mais dignos do calor das suas assas e dos seus rebentos, e a tinta da minha pena vai viajando consoante a minha mente lhe ordena. E olho para a minha pena, que escorre tinta na sensação mais do que predilecta e correcta de que as palavras que te escrevem, o fazem com a certeza de que no meu pensamento eu te desenho com se de palavras se tratassem, com que te leio com se de palavras minhas tu fosses, e não te escrevo sobre o amor, porque na minha cabeça, o amor já me és tu.

E já não escrevo sobre o amor. Escrevo sobre a impaciência do meu corpo, a raiva da minha longitude e o medo de que me tenhas esquecido, e o pavor de que a chama ardente, fénix clemente já não exista mais, e no fim de contas, que o carvão que me transporta aqui, já não seja suficiente para aquecer o nosso amor. Nem todas as cartas de amor o devem ser escritas sobre o amor. Sabes, lá de onde eu venho, andavas muito na caça, e entre uma mira e um trago no meu charuto, pedia eu, que aquela fumaça toda que subtrai de dentro de mim um pouco mais da minha vida, pois sabes que eu nunca fui grande fumador, que esse fumo se infundisse pelas brisas do vento e ate ti te trouxesse boas novas sobre mim, ou caso algum tigre se livrasse de me atacar de forma mortal, que te levasse más novas sobre mim. E olhava eu para o mato e na minha vaga consciência, me afortunava eu, de em tais lembranças, saber que no amor, que em todas as possibilidades existentes e mais algumas, no amor, o deve ser como as silvas, deverá sempre haver espinhos, para que estes, juntamente a duas mãos se possa estripar a erva daninha, e se desventrando todo o mal que possa aterrorizar o amor uno puro e santificador de duas almas vivas, possa prevalecer a união imortal de dois seres que se amam. 

Portanto meu amor, nem só de amor se escreve as cartas de amor. Pelo menos eu não o faço, nem intenções de o fazer o faço. O meu amor é mais puro para ser descrito nestes papiros, sobre a tinta negra que escorre. Negra, negra esta tinta que nos glorifica a verdade de que no amor, a raiva um dia se impera, que a descrença em nós um dia há-de surgir, que a tristeza e o sofrimento, se tomarão de nós nos deixando loucos, e transparente, como as lágrimas que nos fazemos derramar sobre os nossos papiros, os nossos corpos. E oh que tecido esse em que nós nos deliciamos em amores a escrever nossas escritas, pétalas delicadas do nosso jardim harmoniosamente salpicadas por entre o orvalho dos céus e o orvalho dos nossos olhos, em que choramos desalmadamente elas nossas amarguras em que nos partimos em 4, eu, tu, tu de mim e eu de ti e nos afastamos nas nossas recônditas grutas, manto nosso de reflexão e de silencio que nos incute, gritos das nossas almas, sobre o amanha, que poderá ser hoje.

E há sempre uma certeza de que nas minhas cartas, de amor estas não se falarão, pelo menos eu assim o pretendo. Quero que te lembres amor, que nesta minha travessia nestas linhas férreas em que a locomotora corre, não me ausentaste a memoria, apenas eu me antecipo ao futuro e me preparo com a minha bengala, batendo eu sobre o chão em que estremece, lhe indicando as ordens dos meus passos, e que este se lembre, que das memórias o meu corpo se absorveu, mas das minhas palavras, actos no futuro eu viverei, e que em ti, do meu jeito de ser, te magoarei com os meus actos, palavras, ofensas e ordens desmedidas, serei eu um raio e tu um furacão, eu o pendulo, e tu a corda, eu o injusto e tu a pecadora, eu o rastilho e tu a pólvora, eu a folha e tu o vento, apenas o seremos nós, como seres vivos, preenchidos por uma vida incerta e ignorante dos nossos espíritos, que rezadas as preces aos divinos anjos protectores dos tectos das nossas almas, a certeza de que em nossos lábios, os nossos olhos se beijarão.

E não falarei eu de amor, nestas alíneas. Falarei, do ruido carbonizado desta locomotiva que enxerga o cérebro de um turbilhão de dores nauseabundas, falarei do cão do caçador que caçou um coelho que correu mais do que ele mas que se assentou depois do tiro, do Avé Maria de Schubert que toca nesta grafonola colocada sobre a carruagem de primeira classe e te falarei dos fantasmas que se deitavam comigo todas as noites e fugiam todas as manhas, das lamparinas que encandeavam o meu coração todas as noites e das pétalas dos roseirais que comigo voavam todas as manhas, te falarei do canário que me cantava ao acordar-me desejando os bons dias e do negro espesso manto das brumas sombrias das noites que me enfeitiçavam atrozmente os meus medos, te contarei o magistério desta minha viagem e do finíssimo recorte que os meus olho admiram o entardecer desta viagem, os cultivos e as sementeiras, as ribeiras e os montes, os agricultores e as tias marias, o bolo de chila da Clemencia a velha da verruga dos seus 90 anos que tinha clemencia das minhas ditas fomes pelas doçarias e o tinto do garrafão do tio Manuel da tasca em que todas as noites orgulhosamente estafados da lavoura nos lavávamos as goelas matando a fome e ganhando novo estofo. Gentes e sentimentos, momentos e vivências que de amores eu não falarei mas que nos meus olhos viverei. 

E não escreverei eu amores amados, porque as cartas de amor, não devem falar de amor. a verdade é que os nossos últimos suspiros ao fechar o invólucro e cuspindo sobre o selo, sabemos que a carta contem todo o amor escrito e descrito sobre a nossa paixão, e temos nós a certeza de que de nada de amores falado, e cheia de palavras, ainda mais cheia vai do nosso amor. Por isso, não escreverei eu cartas de amor sobre o amor. Porque o meu amor, esta a ler as palavras escritas do seu amor, inalando o perfume do seu amor, sentindo o palpitar do coração do seu amor.

E não escreverei eu cartas de amor, sobre o amor, e só me resta saber como te enviar a carta antes de a locomotiva a carvão chegue à estação. Talvez a envie sobre o fumo negro da locomotiva, talvez a envie sobre o vento, talvez a envie sobre as pombas porque das andorinhas, estas já fogem do teu terraço. 

Me aguarda meu amor, que em breve, das palavras não aqui escritas, meus lábios em ti as escreverão.

Ate breve

2 comentários:

  1. Gostei imenso desta carta de Amor, que fala do Amor que nem todos conseguimos alcançar!

    Porque o Amor é um sentimento , não existem palavras que o consigam definir!

    O Amor está nos pequenos detalhes.
    Está naquilo que fica mesmo quando tudo se vai...

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    1. e por algum caminhos havemos de ir. se é no locomotiva a vapor que o seja, mas que o pensamento do coração se una bem junto aos olhos da amada/o

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