Olá meu amor
Escrevo-te esta carta para te
fazer uma constatação.
Nem todas as cartas de amor, tem
literalmente ou obrigatoriamente que falar sobre esse tal sentimento de que
toda a gente enamorada o fala. Esse tão perpetuo e delicado sentimento que em
nossos coração faz brotar lágrimas dos olhos e sorrisos dos lábios.
Instituiu-se que todas as cartas
de amor o assim o devem ser, falar de amor, do nosso amor, da nossa entrega
emocional, sentimental, psicológica e até mesmo erótica, tem de falar dos
carinhos, dos nossos olhos e como eles nos vêem, das nossas acções de um para
com o outro e do que as nossas famílias nos representam, ou nós os
representamos. Mas eu não sou a minha família, tenho nome e o poder que eles me
deram, isso é certo e por mais que eu diga que rejeite esses títulos e essas
palavras bancárias, a verdade é que terei sempre a minha família, mas eu não sou
a minha família, eu sou eu como tu és tu, ou por outros modos mais singelos
pelos nossos prazeres, nós somos um no outro.
Mas a verdade é que nem todas as
cartas de amor devem falar de amor. Devem falar do ódio, dos pavores, dos
medos, das cegueiras dos nossos olhos, das nossas aventuras e desventuras,
porque no amor, nem tudo são mares de rosas e perfeições. Há espinhos e
ratoeiras para nós, ratos, na busca incessante do nosso queijo, termos a
delicadeza e o engenho de saber se nos haveremos de nos aventurar em entrar em
tais fortaleças do desejo que lucifer nos intenta ou se nos deveremos tornar diatéticos
e nos aventurarmos numa travessia pelo deserto ou pelos velhos mares que Camões
ou Colombo atravessaram e em dois mundos, nos unificarmos num só.
E depois há a questão de que mesmo
que mudemos o tópico das nossas cartas, a verdade é que o tema do clímax da
carta escapa sempre para o amor, para o nosso amor, para o amor dos outros para
connosco. Não me queixo de tal afortunada sorte a minha, meu aamor, porque me
adoro ser e sentir amado como te adoro amar, tu sendo a minha delicada esposo
que nesses outros ventos te sentas na nossa velha cadeira, ouvindo a nossa
velha grafonola e a recordares de mim sobre o teu olhar acastanhado, cor de
outono, olhando sobre o meu retracto, saudosistas em ti, as tuas saudades se
perpetuam desde a primavera. Curioso como o tempo passa. Parti no nascer das
folhas e do regresso das andorinhas e me presto a regressar no cair das folhas
secas do castanho de outono e com a partida das andorinhas m busca de calores e
de amores. Ou será que serão estas, aves de estranhos portes sentimentais que
transportam ou transbordam os amores por onde elas passam. Bem, na verdade e na
verdade o deva dizer, que o nino que elas construíram sobre o nosso tecto nos
abriga dos velhos falcoes que terminantemente insistiam em dar bicadas sobre o
nosso tecto atentando quase como estranheza, o nosso amor, e nas nossas dúvidas
sobre as nossas certezas.
Mas como eu estava a escrever,
meu doce e terno amor, nem todas as cartas o devem falar de amor. Viajo eu,
neste momento há 48horas de comboio, este ferro velho, esta limusine
geringonça, funciona a carvão, e entre o imenso berreiro que a locomotiva ecoa
sobre os nossos ouvidos como zumbidos de um enxame de abelhoes e entre a demora
na longa viagem, tenho tempo para pensar em muita coisa e poder admirar a
paisagem que perfaço desde o ponto de partida, o local que já me deixa saudades,
e o ponto de chegada do qual ressuscito as minhas vontades e saudades, as
minhas fénix reatam a velha chama de ti, que escuso eu dizer, que apesar de
brando lume nunca se apagaram, sempre ardem em lume brando culpa da distancia e
do tempo que nos distanciou fisicamente um do outro. Mas aqui este eu, neste
vagão puxado por uma locomotiva a carvão sobre esta linha de ferros a admirar o
estridente ruido da locomotiva e a paisagem entre árvores, o mar e as cidades. Entre
elas, surge, espelhado no vidro que me separa do dentro e do fora, me fica a
tua imagem, como se a meu lado, estivesses a viajar, me acompanhando
eloquentemente.
E vejo, arvores, as gaivotas, as
andorinhas que regressam a outros aposentos mais reais e mais dignos do calor
das suas assas e dos seus rebentos, e a tinta da minha pena vai viajando
consoante a minha mente lhe ordena. E olho para a minha pena, que escorre tinta
na sensação mais do que predilecta e correcta de que as palavras que te
escrevem, o fazem com a certeza de que no meu pensamento eu te desenho com se
de palavras se tratassem, com que te leio com se de palavras minhas tu fosses,
e não te escrevo sobre o amor, porque na minha cabeça, o amor já me és tu.
E já não escrevo sobre o amor. Escrevo
sobre a impaciência do meu corpo, a raiva da minha longitude e o medo de que me
tenhas esquecido, e o pavor de que a chama ardente, fénix clemente já não
exista mais, e no fim de contas, que o carvão que me transporta aqui, já não seja
suficiente para aquecer o nosso amor. Nem todas as cartas de amor o devem ser
escritas sobre o amor. Sabes, lá de onde eu venho, andavas muito na caça, e
entre uma mira e um trago no meu charuto, pedia eu, que aquela fumaça toda que
subtrai de dentro de mim um pouco mais da minha vida, pois sabes que eu nunca
fui grande fumador, que esse fumo se infundisse pelas brisas do vento e ate ti
te trouxesse boas novas sobre mim, ou caso algum tigre se livrasse de me atacar
de forma mortal, que te levasse más novas sobre mim. E olhava eu para o mato e
na minha vaga consciência, me afortunava eu, de em tais lembranças, saber que
no amor, que em todas as possibilidades existentes e mais algumas, no amor, o
deve ser como as silvas, deverá sempre haver espinhos, para que estes,
juntamente a duas mãos se possa estripar a erva daninha, e se desventrando todo
o mal que possa aterrorizar o amor uno puro e santificador de duas almas vivas,
possa prevalecer a união imortal de dois seres que se amam.
Portanto meu amor, nem só de amor
se escreve as cartas de amor. Pelo menos eu não o faço, nem intenções de o
fazer o faço. O meu amor é mais puro para ser descrito nestes papiros, sobre a
tinta negra que escorre. Negra, negra esta tinta que nos glorifica a verdade de
que no amor, a raiva um dia se impera, que a descrença em nós um dia há-de
surgir, que a tristeza e o sofrimento, se tomarão de nós nos deixando loucos, e
transparente, como as lágrimas que nos fazemos derramar sobre os nossos
papiros, os nossos corpos. E oh que tecido esse em que nós nos deliciamos em
amores a escrever nossas escritas, pétalas delicadas do nosso jardim
harmoniosamente salpicadas por entre o orvalho dos céus e o orvalho dos nossos
olhos, em que choramos desalmadamente elas nossas amarguras em que nos partimos
em 4, eu, tu, tu de mim e eu de ti e nos afastamos nas nossas recônditas grutas,
manto nosso de reflexão e de silencio que nos incute, gritos das nossas almas,
sobre o amanha, que poderá ser hoje.
E há sempre uma certeza de que
nas minhas cartas, de amor estas não se falarão, pelo menos eu assim o
pretendo. Quero que te lembres amor, que nesta minha travessia nestas linhas férreas
em que a locomotora corre, não me ausentaste a memoria, apenas eu me antecipo
ao futuro e me preparo com a minha bengala, batendo eu sobre o chão em que estremece,
lhe indicando as ordens dos meus passos, e que este se lembre, que das memórias
o meu corpo se absorveu, mas das minhas palavras, actos no futuro eu viverei, e
que em ti, do meu jeito de ser, te magoarei com os meus actos, palavras,
ofensas e ordens desmedidas, serei eu um raio e tu um furacão, eu o pendulo, e
tu a corda, eu o injusto e tu a pecadora, eu o rastilho e tu a pólvora, eu a
folha e tu o vento, apenas o seremos nós, como seres vivos, preenchidos por uma
vida incerta e ignorante dos nossos espíritos, que rezadas as preces aos
divinos anjos protectores dos tectos das nossas almas, a certeza de que em
nossos lábios, os nossos olhos se beijarão.
E não falarei eu de amor, nestas alíneas.
Falarei, do ruido carbonizado desta locomotiva que enxerga o cérebro de um turbilhão
de dores nauseabundas, falarei do cão do caçador que caçou um coelho que correu
mais do que ele mas que se assentou depois do tiro, do Avé Maria de Schubert que
toca nesta grafonola colocada sobre a carruagem de primeira classe e te falarei
dos fantasmas que se deitavam comigo todas as noites e fugiam todas as manhas,
das lamparinas que encandeavam o meu coração todas as noites e das pétalas dos
roseirais que comigo voavam todas as manhas, te falarei do canário que me
cantava ao acordar-me desejando os bons dias e do negro espesso manto das
brumas sombrias das noites que me enfeitiçavam atrozmente os meus medos, te
contarei o magistério desta minha viagem e do finíssimo recorte que os meus
olho admiram o entardecer desta viagem, os cultivos e as sementeiras, as
ribeiras e os montes, os agricultores e as tias marias, o bolo de chila da Clemencia
a velha da verruga dos seus 90 anos que tinha clemencia das minhas ditas fomes
pelas doçarias e o tinto do garrafão do tio Manuel da tasca em que todas as noites
orgulhosamente estafados da lavoura nos lavávamos as goelas matando a fome e
ganhando novo estofo. Gentes e sentimentos, momentos e vivências que de amores
eu não falarei mas que nos meus olhos viverei.
E não escreverei eu amores
amados, porque as cartas de amor, não devem falar de amor. a verdade é que os
nossos últimos suspiros ao fechar o invólucro e cuspindo sobre o selo, sabemos
que a carta contem todo o amor escrito e descrito sobre a nossa paixão, e temos
nós a certeza de que de nada de amores falado, e cheia de palavras, ainda mais
cheia vai do nosso amor. Por isso, não escreverei eu cartas de amor sobre o
amor. Porque o meu amor, esta a ler as palavras escritas do seu amor, inalando
o perfume do seu amor, sentindo o palpitar do coração do seu amor.
E não escreverei eu cartas de
amor, sobre o amor, e só me resta saber como te enviar a carta antes de a
locomotiva a carvão chegue à estação. Talvez a envie sobre o fumo negro da
locomotiva, talvez a envie sobre o vento, talvez a envie sobre as pombas porque
das andorinhas, estas já fogem do teu terraço.
Me aguarda meu amor, que em
breve, das palavras não aqui escritas, meus lábios em ti as escreverão.
Ate breve
Gostei imenso desta carta de Amor, que fala do Amor que nem todos conseguimos alcançar!
ResponderEliminarPorque o Amor é um sentimento , não existem palavras que o consigam definir!
O Amor está nos pequenos detalhes.
Está naquilo que fica mesmo quando tudo se vai...
e por algum caminhos havemos de ir. se é no locomotiva a vapor que o seja, mas que o pensamento do coração se una bem junto aos olhos da amada/o
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