segunda-feira, 3 de junho de 2013

Bebeu o último gole e engoliu a azeitona, verde. A esperança estava engolida

A porta do jazz do piano e da bateria abrem-se sobre o reflexo repentino do olhar dela que acompanha a voz bucólica de umas palavras celestes nos ouvidos que acabam de entrar no café ritmo, sem nada esperar que aquela noite lhe trouxesse algo de novo. Sandro, reitera as vontades de apenas, entrar no café de sempre, beber o seu Martini com uma azeitona sem caroço, verde, amarga, fumar a sua cigarrilha e passar alguns minutos a admirar o vazio daquela casa.
Apesar de ser uma casa com um ar sinistro, aos seus olhos, já de si moribundos pela cegueira causada pelas diversas desilusões que a vida se limitou a impregnar-lhe elevando-lhe o seu espirito para um nível superior de zen e um karma que lhe perseguia por onde as suas canadianas finas pernas o levassem.
De barba imunda, grisalha, um rabo-de-cavalo e um casaco de fazenda apanhado no meio dos molhos de roupa espalhados pelo chão do seu cubículo habitáculo, Sandro nunca se importou muito com as aparências de si e muito menos do que os outros poderiam julgar de si.
Senta-se no lugar do costume, a terceira cadeira junto ao balcão, assinalando um ok ceio do mesmo do habitual para o empregado, que por entre murmúrios lhe cumprimenta com um sorriso multicolorido e irónico de quem por cansado já longa vai a noite, e mais um cliente lhe desgastara ainda mais o seu corpo. Um Martini com uma azeitona, verde e sem caroço lhe daria um enorme cansaço ao seu corpo. Abre a garrafa resmungando com a rolha, pega na azeitona, verde, no intimo material para o enfiar nas extremidades da azeitona, ambicionando poder coloca-lo numa outra extremidade de um outro lugar, de uma outra pessoa, e com um jovial sorriso amarelo, o serve a Sandro. Sem gorjeta, pragueja ele, com vontade de não mais usar as oliveiras das candeias.
Sandro aprecia o Martini que se lhe enfia por entre a longa barba enquanto os seus pensamentos viajam pelos campos de um todo e de um nada que lhe incomodam os espíritos da sua alma. Nada de novo previa ele nos átomos das suas terríveis solitárias horas. Horas? Pior eram os minutos que se delongam em passar. Segundos que pareciam milénios. A sua pacata e avassaladora vida lhe traziam um repasto de nadas diários, e apenas as noites, com o seu Martini permitiam um acontecimento diferente. E isso muito dependei do verde da azeitona.
Ela continua a espalhar a sua voz bucólica, sobre os olhares atentos das vozes silenciosas que se prestam a não mexer um único centímetro a sua cabeça e os seus corpos das cadeiras. Estava todo o publico, de uma dúzia de pessoas, sentadas nos cantos e no centro da sala admirando a sensualidade que saía das cordas do violão que acompanhava as cordas, o piano e as batidas da bateria, orquestrando as intimas cordas da voz lírica pouco habitual no jazz que aquela feiticeira espalhava pela sala.
A sua sensibilidade orgânica e mística com as notas das pautas musicais faziam chocar lutas de titãs pelas paredes de pedra daquela casa. O negro do espaço com as luzes meias gastas pouco iluminando o espaço, apenas as luzes do palco se moviam dando um sinal enérgico de alguma vida existente ali. As luzes e o homem do Martini, e o empregado do Martini.
A voz fazia acompanhar a sinergia das luzes e das notas que voavam fazendo compor uma melódica dança entre os três paralelismos do som, da luz e do sofrimento.
Entre uma música e outra os suspiros de uma agradável nota se soltavam das carteiras, para o cachet, do combo que todas as noites uma vez por semana destituindo as magias negras.
Abre-se a porta, e os ouvidos escutam uma voz. O lirismo enfeitiçador lhe capta a atenção do mesmo modo que o romantismo lhe entranha pelo corpo, sensação tremeliqueira de mil fogos de achas quentes de lumes em setas de fogo lhe abrem fendas na sua pele, queimando-o pelo gélido medo que sempre tivera de se aproximar de alguém que lhe poderia custear os pagamentos de uma dor solene crucificada nos suplícios que ele não quereria obter sobre si. Entre um Martini e outro, os pedidos e os murmúrios do empregado, pela verde azeitona que lhe causara artroses na mão direita e que das suas vontades usaria o vime que colhe as azeitonas verdes das oliveiras, para açoitar alguns clientes que lhe podiam uma bebida cm azeitona sem caroço. Ele era especial, porque só falava para os peditórios ao empregado de mais um copo, cheio, e nunca ninguém ouviria uma outra palavra ser soletrada da sua boca, nem um ai, nem um boa noite. Sandro, não confiava, nem dava confianças. Por seu lado, o lirismo da mulher que se prestava a salivar qualquer másculo de ou sem barba rija, pela sensualidade dos loiros trigos cabelos e do olho fundo acastanhado, fazia as confianças e as forças intelectuais se desanuviarem sobre o realejo das palavras desafiantes de tentativas de a conhecerem um pouco melhor. Tentativas essas frustradas, pela confiança que ela dava e retirava. Apenas lhe interessava o conhecimento das carteiras, do pagamento do seu cachet, em troca de umas músicas, de umas palavras atrevidas, de umas posses mais ousadas, frutificando o verde que ninguém lhe poderia tocar e que o caroço da sua roupa pudesse ser descascada. Ela distribuía sorrisos e salivares mas não permitia que subissem sobre os seus ramos de oliveira. Algo por detrás de tal estado de lucidez de fantasias do dá e tira tornava-a ainda mais desejada e ao mesmo tempo algo snobe aos olhos de outros.
As perdições eram imensas naquele meandro. Volta e meia entravam algumas fêmeas, coyotesgirls com um único intuito de roubarem alguns corpos sobre as camas ou dos bancos dos carros. Certa noite, numa dessas noites de lua cheia, em que estas desventradas mulheres eróticas se transformam em hormonas perfumadamente saltitantes, assaltaram o balcão incendiando com o erotismo e os vulcões expelindo em orgias sobre as mãos dos machos que as tocavam e as masturbavam sobre os trajes de meio centímetro que as tapavam. Todos menos Sandro. Os seus olhos não saíam o Martini, ou da azeitona, verde.
As andanças das suas sombras perseguiam-no pelos caminhos das calçadas que insistentemente percorria quer fizesse chuva quer fizesse sol, sem pestanejar na mudança de trajecto, ou do rumo que as suas pernas o conduziam. Pareciam ter vida própria com já os caminhos traçados cirurgicamente.
Esta noite. Os uivos dos lobos estavam silenciosos perante a alta lua cheia que no céu iluminava em forma de candeeiro os poucos corpos que ainda vagueavam pelas ruas, ou pela rua, já que Sandro, apenas conhecia uma única rua, e os seus mesmos corpos se perdiam por entre os copos da taberna já bem emborcados.
Os barcos se ouvem ao fundo. Nas suas ondulações das suas já alucinações audíveis de quem já bebeu um Martini a mais. E pede mais, e mais outro, e bebe, trago a trago, saboreando o azedume doce que o verdume das oliveiras lhe causava na faringe. Lhe atravessava garganta a fundo estancando no estomago, fazendo-o soluçar ao fim de cada copo.
Jocosas traições do passado que lhe a vida não lhe ensinou a contorcesse das dores e ultrapassar esses cumes montanhosos de onde as suas dificuldades motoras o embalavam sobre o suicídio e a morte. Como se houvesse a grande diferença uma e outra, mas por enquanto se pensava na sua morte pessoal, da sua autoria desejava ao mesmo tempo, que uma pedra se desmoronasse e lhe calçasse o túmulo dos seus pudores e medos.
No micro, do palco, ela distribui todo o seu glamour. Desgastada ao fim de duas horas e vente e três minutos, decide encerrar a sua actuação, recuando aos bastidores do balcão soletrando o pedido da sua bebida típica em que sossegava e arrefecia as suas cordas líricas bocais. Entre um trago e outro, um gole e mais oro, não descortina os olhos do etílico álcool que lhe resplandece o reflexo do seu rosto algo turbulento sobre o copo. No fundo, o verde, tingindo o sabor do álcool, que com o palito vai cirandando ondas do seu cabelo.
Dois perdidos na viagem dos nadas das ilusões e dos sonhos de pesadelos de peluche e de fantasias que atroz e feroz lhes matam as certezas dos segundos que se avizinham no seguimento de cada flash espaço por entre os milésimos de segundo.
Hipnotismo focalizado nas destrezas das distrações se diferem as emoções arcaicas das loucuras que nunca viveram, um pelas adversidades das traições o outro pelas adversidades dos engodos e das rejeições e xenofobismos puros que os olhos ameaçadores e reprovadores lhes matavam o ego e a alma. Pior do que o ego seria mesmo o homicídio aterrador da sua alma que apenas ressuscitava nos momentos de pura libertação ressuscitada dos escombros da morte aquando as composições decompostas que a sua voz lírica acompanhavam o combo de jazz.
Talvez a solicitude dos órgãos firmados nos seus próprios corpos presos no passado, mas os hipnotismos indelicados não lhes permitiriam descruzar os olhos dos respetivos copos e os dedos das feições mórbidas que os seus corpos emprestam às almas.
As cruzes do monte Sinai, tendem a desmoronar-se. Sandro pega na carteira para efectuar o respectivo pagamento. €38,82, pagamento dos respectivos 8 Martinis embebidos pelo seu corpo que nem esponja.
O lirismo da conta da outra conta da outra carteira da outra cliente da outra mulher, matemática e coincidentemente na totalidade era igual à de Sandro. Se teria encharcado de tal modo igual a ele?
Pagaram sem um reclame de estranheza pelo preço. Ela já tinha ganho para o gastar, ele já não tinha mais onde gastar a não ser ali, e com aquilo, aquela, bebida, azeitona, verde, Martini.
Talvez o sabor da azeitona verde se identificasse com o sabor de pesado espirito de ambos. A luminosidade ofuscante das suas vozes assombrosas nos silêncios podia ser as bargastadas ferozes nas oliveiras que faziam cair as azeitonas, verdes.
Saem das portas, um por cada portada, nas suas formas descompassadas e descompensadas, subtraindo os olhos sobre as fracas luzes que se esgotam pelo tempo, seguindo cada um a viagem das suas lutas internas. Mapas geográficos dos olhos do mundo os conduziam por opostos meridianos sobre as medições de cada centímetro dos passos dados certamente sob os pretextos de serem conduzidos ao leito das solidões dos meandros das suas casas.
Não fosse o vinagre nauseabundo injectado nas horas das mortes antes dos últimos suspiros na cruz, e os vómitos e as náuseas, e tonturas, e a queda corporal dela sobre o passeio, teria o seu corpo teria mesmo chegado ao local ambicionado. Os altares da sua cama a aguardavam para as orações da noite. Não fosse o vinagre. Ou a azeitona, verde, o Martini.
A supremacia das dores atravessavam a pancada da cabeça sobre a parede ao se tentar amparar sobre os vómitos da droga permitida e das tonturas que fazia o seu mundo girar helicentricamente. Entre sambas imperfeitos de zumbidos que lhe incomodavam os ouvidos, atordoou com o batimento da sua cabeça, gongo gigantesco, sobre o chão, ficando enternecida ali, deitada, solenemente deitada, em soluços de fracas tentativas de se reerguer.
A noite já ia longa, mas parecia demorar a tornar-se dia. Sandro, desgastado, carrega sobre si mesmo, as suas pernas, mais cansadas do que nunca. A idade e a vida agreste das suas profissões o tornaram cansado numa velhice demasiado jovem.
Deambula pelos caminhos de nada de si estranho aos seus olhos selados nos envelopes do seu chão.
Já lera todas as histórias daqueles caminhos, as assinaturas devidas, as letras, e até mesmo os post scriptuns, e os devidos destinatários e remetentes. Já calculara todos os centímetros e milímetros dos paralelos e asfaltos, as conversas, as lágrimas, e todos os gritos que por ali passaram. Ate mesmo sabia das balas e dos sangues eu outrora em tempos de guerras ali garreadas entre povos de armas e de canhões.
Saboreia a fumaça do seu cigarro, tropeçando em algo completamente inerte e imóvel, fazendo-o sair disparado do estado vertical, caindo sob o baque oco do seu corpo no chão molhado. Gesticula, grita, geme, contorcesse de dores. Salivares de sangue de fendas em feridas da sua pele, brechas nos seus joelhos, disparam lavas avermelhadas de sangue a ferver pela sua vontade de dinossauro, furioso, desesperado em querer propriamente agredir a dor que se lhe entranhava na dor.
Mas enquanto se contorce perante o seu corpo, como um canino em torno do seu rabo, o desespero lhe atravessa os olhos, espanta-se com uma sombra diminuta acompanhada por um corpo presente no chão a escassos centímetros do seu doloroso ente ainda vivo.
Enquanto fixa o seu olhar, em tal sombra e respectivo corpo, percebia-se que um pertencia ao outro, mas fixamente se ausentou da sua dor, assustado pela presença daquele vulto ali prostrado, e mil dúvidas lhe atravessaram na sua imaginação. Ao tempo que se interrogava sobre tal presença, odiava essa mesma coisa ali deitada bem como murmurava impropérios por tal sujeito, ou sujeita, ou fosse lá o que fosse, pois, por tal decerto, teria sido essa tal sombra que o fez cair em tal terra sinuosa e lhe fez sofrer as fendas no seu corpo. Como já não bastava as fendas criadas durante toda a sua vida. O espólio das dúvidas do que fazer e os murmúrios aumentavam a cada milésimo de segundo que passava.
Pela primeira vez na vida, decerta sobre teses das suas melancólicas dúvidas, mas estava em frente a um jurado moral da sua mente e de todos aqueles que por ali ninguém passava sobre as forças invisíveis.
Entre impropérios gesticulados apenas com uma mão e com a boca, e entre as dúvidas lá se ergue sobre o arrasto do seu corpo em direcção ao outro. Ao se movimentar vai percebendo pelos trajes das vestimentas que se lhe escondem a nudez do corpo, que de corpo de homem não se tratava. As suposições juntavam-se ás duvidas e a ambas, os murmúrios de impropérios.
A custo e com as chagas das dores atingiu a silhueta do corpo e as duvidas se dissiparam quando percebeu pelos seios que na sua frente, uma mulher se encontrava despejada pela lucidez da vida, da sobriedade excessivamente negada pela sua própria vontade. Tenta a toda a força, fraca essa mesma já em si, com que ela desperte os seus olhos e respire sobre a vida que passa sobre cima dos seus olhos fechados.
Sandro, irritado, lhe procura fazer algo inovador nas suas próprias vontades, nunca antes o fizera, mas suponha agora o fazer não por ela, mas por si. Agora lhe salva a vida e a seguir vinga-se. Seu pensamento iria nesse encontro entre o bem e o mal. Por certo não a mataria, nem a maltrataria, mas algo decerto de bom não seria. Talvez, deixa-la à fome de sonhos durante algum tempo. Mas para ela isso, não era nenhuma novidade. Algo que sempre lhe fora negado em toda a sua vida, pelos olhos objectores de outros sobre o seu estatuto de bicho. A respiração boca a boca era algo que se lhe atravessava como única possibilidade de fazer trazer a alma, o espirito e todos os ventres aquele corpo ali aprisionado no chão, verde. E os murmúrios não paravam, os murmúrios aumentavam de tom, os murmúrios aumentavam de murmúrios. E entre a falta de coragem e os impropérios, lá respira fundo e suavemente, carinhosamente, brutamente, desastradamente lhe enfia o ar todo dos seus pulmões, transferindo-o para os pulmões como se fosse um sopro de uma divindade regeneradora de vidas mortas, trazendo novas respirações ofegantes aquele corpo sepultado naquele chão frio e avermelhado, fazendo-a respirar por entre soluços e contorções do seu corpo das dores fortes na sua cabeça.
Os seus olhos se assustam na presença de um admirável ser que não a olha de frente, nem de lado. Se encontra de costas voltadas para ela, num silêncio aterrador das próprias sombras.  
Entre gemidos de dores de ambas as feridas, nada mais se ouvia por aquelas ruas. Os silêncios, das palavras eram substitutos das incertezas de ambos e de que ambos ali faziam, um em frente às costas do outro.
Desconheciam-se. Das vozes. Ou melhor, ele conhecia apenas e unicamente a sua voz, ela de si, apenas a sua forma figurativa de que seus olhos viam semanalmente. E gemiam, grunhiam, murmuravam palavras interiores, de dores e de interrogações.
Sandro, se ergue sobre as fracas pernas, a lha de soslaio, e lhe estende a mão, num acto duvidoso para ela, mas se já a tinha recompôs do desmaio, mal não lhe poderia fazer. Aceita a oferta gentil, agraciando com um obrigado baixinho, os volts na sua cabeça ainda estavam em alta rotação para escutar tais elevadas vozes. Sandro, não responde ao obrigado, mas a agride verbalmente com insurrectos palavrões da queda obrigatória que teve pelo tropeçar sobre si, abrindo brechas desgraçadas em seu corpo, obrigando-a a ir para uma urgência, com ele, e a se assegurar das responsabilidades dos gastos hospitalares.
Andantes, transeuntes das estrelas, suas bocas pareciam ter mordaças de tais silêncios apenas incomodados pelo barulho do sapateado que seus calçados faziam enquanto caminhavam. Suas sombras se incomodavam com a realidade física de ambos os corpos. Acompanhavam mas dissertavam uma com a outra a estranheza entre aqueles dois seres.
Entrada hospitalar, curativos, analgésicos e contas para pagar. E ela pagou. Dissertou ainda algumas reclamações, mas que de por certo intimidada pela arrogância das barbas e do aspecto, enalteceu o valor da sua carteira e pagou, fugindo dos cheiros incomodativos do hospital.
Anestesiados ainda pela situação que os envolver, Sandro finalmente deixa sair um grunhido audível em bom som ecoado nos ouvidos dela. Sugeria-lhe que fosse para casa e que descansasse comodamente. Ela acatara o conselho, mesmo que mais lhe parecera uma ordem de que um aconselhamento de amigo conselheiro. Ela retribuiu o conselho, mas de uma forma mais gentil e simpática, num tom mais solto. E pela primeira vez trocaram silabas abertas de bocas já de si não amordaçadas pelos seus aspectos.
Caminharam juntos meia dúzia de metros, enrodilhados de novo no silêncio já comum deles. E quando ela se preparava para silenciosamente se partir em definitivo para os seus modestos aposentos, ele a desafia, muito inocentemente e desastradamente, convém que se lhe diga, a um chá refrescante e pacifico em sua casa.
A medo, desafiada pelo receio, acede estranhamente, e não fosse a certeza do gás pimenta na sua carteira em prol da sua segurança, não teria aceitado tal convite.
Os pensamentos e as dúvidas tomam de novo lugar nas suas cabeças. Na de Sandro, o porque de a ter convidado, algo inédito em toda a sua vida, e a ela, o porque de ele a ter convidado depois de toda a agressão e insultos para consigo. Talvez se queira redimir de tal acto, que nem sequer ela percebeu os motivos de tais.
15 Minutos a pé, mais precisamente 15minutos e 43 segundos, atingem os portões de madeira castanha de onde o verniz se estalara há muito tempo. Ou talvez nunca tenha levado verniz. Entram, e Sandro encaminha-a para o seu quarto. Ela espanta tal prontidão e tal velocidade dos acontecimentos e dos caminhos rectos para a cama que ele a conduziu. Talvez fosse ali ser violada. Cairia na toca do coelhinho sem se ter apercebido e agora o seu ventre seria desventrado como se de um ventríloquo o fosse ser no futuro. As ilusões negativas já de si despedaçavam o seu íntimo corpo, e segredo.
Ele se refugiara na cozinha a preparar algo. Talvez o jantar da morte, um veneno sossegado da violação, ou algo que se juntasse num cadeirão as duas explosões de acesso de feitiçarias do seu corpo, a violação e a morte, se bem que a morte já implica uma violação ao seu próprio ser.
Ouve-se no quarto, o tilintar de algo a borbulhar vindo da cozinha. Ela quer caminhar pelo corredor e poder acertar as duvidas do que poderia estar para acontecer, mas o medo lhe prende na frente da cama, onde ela se senta, esperando que ele ou chegue ou lhe ordene que se apresente às ordens nos antros da cozinha.
Poucos minutos ela teve que aguardar até ouvir o ranger da madeira já de si velha, sem verniz e sem amostras de que alguma vez ali tenha passado uma trincha de tal produto. Vinha acompanhado, por duas taças de um líquido com algo no fundo das duas taças. O veneno. Ele não disfarçara o veneno. Pelo menos nisso, ele estava a ser correcto, lhe envenenara aos seus próprios olhos.
Lhe ofertou o copo, sem um único pronuncio silábico, nem de ordens, nem de negas. Apenas lhe estendeu o copo sobre a mão, tal como lhe estendera a mão para esta se reerguer quando desamparada se queria erguer do desmaio. E ela aceitou, talvez a medo, talvez a receio, talvez porque estava mesmo com sede e não tinha mais forças para um não poder dizer. E bebeu. Devagar. Saboreando. Um sabor que em nada lhe em si seria estranho. Já tinha experimentado aquele sabor, aquele paladar em um outro lugar, conhecido. Verde.
Aquele sabor de em nada de si estranho lhe despedaçava as duvidas do que o a seguir se aprouvera a acontecer. A violação de si podia estar para estar a ser consumado a qualquer momento. Mas neste instante momento, ele começa a conversar com ela, algo completamente desconexado com o que ela pensaria acontecer naquele espaço, ou talvez fosse um método mais eloquente para a sucessão dos factos. Mas não, a ideologia dele não se consumaria em tal acto. Desajeitado como ela era, talvez o violador pudesse ser violado. E ele tinha esse receio. De cair nas amarras da sedução dela e acabar por ver o seu órgão virgem ser desvirginado no seu próprio espaço, onde nem uma única mulher ele se atrevera a dar entrada.
Mas mesmo assim, pelos receios de ambos ficam a trocar algumas palavras, sobre nadas, sobre tudo e sobre eles. A verdade é que eles já se conheciam, do bar onde ela canta jazz, o lirismo da sua voz e a sedução do seu corpo, e ele das algazarras sobre o Martini preparado pelo rezingão empregado, e da sensualidade brusca com que espelhava no copo. Os olhares nunca antes cruzados sobre si próprios os incomodavam, que apesar de se conhecerem nunca antes cruzaram seja o que quer que seja um com o outro. Apenas os olhos viam o verde do fundo do copo.
Falaram das suas vidas, os seus passados e os seus cabos bojadores das tormentas e do adamastor. Das palavras encantadas por outros camões e por outra Inês de Castros aos seus ouvidos. Mas sem nunca exprimirem um olhar fixo ou um sorriso. Apenas em pontos discordantes um do outro deixavam os seus olhares fixos. Mas ele via nela algo que o deixava desconfortável.
Desconfortável ao ponto de a questionar acerca da sua presença na solitária vida dos seus 40 anos, da sua sensualidade e da sua beleza e não estar desperta nos braços de um outro ser, junto à lareira, ou numa cabana no meio de um monte, a correr sobre campos verdejantes e a rebolar por entre as flores campestres, caminhando nas lufadas de ar fresco e nas adversidades da vida se encostar nos seus ombros desejando às sortes as aventuranças da vida.
Ela rebaixou o rosto. Se emudeceu sobre o correr das lágrimas pelo seu rosto e silenciou-se. Algo perturbante a fez mudar o seu registo vocal de palavras monocórdicas para um registo de novo silencioso.
Bebeu mais um gole do seu líquido, comeu o verde da azeitona sem caroço, respirou fundo e contou-lhe o seu passado que por sinal ainda é muito presente nos dias e nas noites em que deixa ferozmente o seu coração bater diariamente.
É hemofradita, e por tal situação não se atravessa no caminho sexual de ninguém pela rejeição futura dos cinco segundos após algum homem que for, lhe encostar a mão sobre as suas partes eróticas tentando retirar de tal local o prazer suposto de acontecer. E da única hora que autorizou um gentil e honesto rapaz aos olhos da inocência do seu coração, ele fugiu, com as calças ainda para baixo, sobre as escadas que davam saída para a cabana do amor, tropeçando, dando duas cambalhotas pelo ar, aterrando com o pirilau para o vento murchando o desejo das ejaculações de amores. Vingança, foi o que se seguiu. Esse mesmo gentil apressou-se a servir de jornal de propaganda de gozo e de mal dizeres sobre a comunidade social em que ela se habitava. E mudava ela de habitação para onde fosse, seria motivo de chacota, visto que tal noticia se espalhara que não mais voltara a ganhar coragem sobre os seus próprios ombros. De tal fundo do poço ela se encharcou que por diversas vezes o suicídio se apoderou da sua vida, mas já de si há muito morta, apenas lhe restava esperar o ultimo sucumbir das pálpebras dos olhos e partir.
Sandro, pela primeira vez durante anos a fio, acabou por fixar o olhar no ponto fixo da iris de uma mulher. Ouvia as suas palavras e a sua história de vida, ou de morte, com uns ouvidos límpidos, e deixava o silêncio se transformar na caneta e papel invisível para memorizar para sempre os amarrotados papéis de vida dela.
Ele ouvia com atenção e gravava silenciosas as suas vozes, as alternações vocais com que ela pronunciava cada palavra e cada situação por si vividas. Esperava sentir algo de novo e que lhe ressuscitasse uma nova esperança sobre si. Talvez lhe permitisse dar um rumo novo à sua vida.
Acabaram os dois imoveis, com o copo na mão, e em silêncio, apenas fixados no olhar um do outro, sentindo as palavras a conversarem por entre si, a descortinarem os pensamentos e com a certeza de que os cortinados dos corpos se tinham aberto perante os orgasmos puros de não julgamentos.
Silencio. Era o barulho mais apaixonado e mais irritante que por vezes se pode ouvir, Mas naquele momento era o mais desejado, e o mais verdadeiro.
Ela se levantou, ajeitou o vestido, e deixou os seus pés caminharem. A sombra dela acompanhava-a, deixando triste lavada em lágrimas a sombra de Sandro, e ao se cruzar com o seu corpo, lhe tocou com a fina mão direita em sem ombro, lhe dando um pequeno aperto, subindo um ponto e acariciando a sua barba.
E voltou a caminhar, em direcção à porta, e saiu, bateu com a porta, devagarinho, e desceu as escadas, na sua suave sensualidade que em si de costume hoje estava mais sensual. E virou a esquina, caminhou em passos apresados em direcção ao leito do seu habitáculo.
Sandro, não se mexeu do sofá em que se encontrava atento ao silêncio. E ao toque da mão no seu ombro. E na sua barba. Olhou para o copo, bebeu o último gole e engoliu a azeitona, verde.
A esperança em si estava engolida.

 

 

 

 

 

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